quarta-feira, 16 de julho de 2014

[fragmento] (conto)

Havia, enfim, cessado de dançar. Se o vento surgisse, seco e gelado, faria afago nos cabelos e ergueria aquele vestido, desvelando, a lamber intermitentemente as ancas, quadris novos, ainda não sonhados, sequer quistos com desejo, nada disso. Tão débeis pernas ainda, implumes, atravessadas na vertical por finíssimas agulhas de cálcio, periósteo. Antes rodando, gemendo, agora quietos, silentes como a rua escura quando não se tem mendigos. Pobrezinha. Tímida. Queridinha. Apequenada. Rústica. Patética. Pedante. Criança. Mulherzinha. Sinhá. Rameira. Vulgívaga atroz. Tudo isso. Nada disso. Antes rodando, mas não veio mais vento. Por que viria? Escuro, frio e imóvel complexo de coisa. Constructo, se se pode falar nisso. O cimento, o giz, o cadarço, a chita com a gaze combinando. Nada lhe dava importância, mesmo agora. Nenhum se lembrava de frases suas, de melodias que gracejava, anedotas que dizia, se dizia. Tudo pior estava agora. A brisa sequer se comovia. Durma agora, apenas. Durma sem balbúrdia, sem tempestades duras. Se desejasse o bem aos outros, seria ela triste, mentirosa, ingrata, dissimulada. Primeiro desejaria a si mesma, tal como era.

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