Por seu turno, a Ontologia, como significação do ser, pode ser considerada, a partir do que se fez com a história, uma estruturação racional do ente e, nesse sentido, é mais multiplicidade do que unidade. A ontologia do ser enquanto ser é metafísica, e, assim o sendo, está reduzida à interioridade, porque o ser enquanto ser é o impossível em si e para si e, se é assim, pode dar vazão à imaginação, mas jamais à filosofia, que é a representação do real que tem por contorno o mundo múltiplo.
E também as tentativas de sínteses são coisas da característica metafísica que temos em nós. A realidade múltipla não está suscetível àquelas sínteses, porque em si, a multiplicidade jamais se une. Na verdade, é a multiplicidade consciente, que não são determinações da física e biologia, que podem não querer a síntese. Entre si, as ciências naturais possuem uma certa propensão à dialética que, pelos contrários, funda a unidade. E, nesse sentido, as moléculas tendem a uma aproximação, por conta de leis anteriores. Porém, a racionalidade não possui leis anteriores, e tão somente é determinada de forma pura, mas como possibilidade de não ser pura e nisso reside um problema: cria-se a aparência de que, da tabula rasa, evoluímos para a consciência e o pensamento. Todavia, isso é, então, uma aparência. O que existe na razão inicial é o que existe na razão quando morre. Afinal, nada cabe na racionalidade que não estivesse já nela contida. Assim, a razão não é pura indeterminação, mas determinação absoluta, que é o mesmo que conteúdo do mundo.
Não é, como também poderia parecer, reminiscência, porque isso seria tão somente uma menção à teoria do conhecimento, que é a forma pela qual o conteúdo ganha seus contornos específicos. Afinal, a razão jamais conhece o todo, por mais que ele esteja contido na racionalidade, como condição de se poder escolher a parte. Sem o todo, não há liberdade.
Assim, a Ontologia não é a ciência do ser enquanto ser, ou do ser enquanto totalidade e unidade, mas do ser enquanto diferenciação que é a multiplicidade. Radicalmente, a multiplicidade só é conciliada no pensamento, mas jamais objetivamente. E, como o pensar é universalidade, que se faz presente em tudo, até mesmo na fé e no sofrimento, na emoção, então o múltiplo não se relaciona à unidade senão pelo pensamento, que é abstrato e cujo conteúdo é representação.
Todavia, no exemplo da antropologia, o resgate à ideia universal é tão somente a possibilidade de o eu ser pensamento e, nesse sentido, ele é a universalidade; ou, num sentido mais exterior, é universal enquanto quantidade e qualidade.
É quantidade porque se trata se uma totalidade numérica, altamente fora da ideia de universalidade, apenas a esta se referindo por meio da abstração. Além disso, o numérico registra a contingência, o movimento para além da racionalidade, enquanto autonomia sem consciência. Nessa circunstância, o nascer e o morrer alteram essa universalidade, mas diretamente a ela não se referem. Doutra banda, é qualidade porque, e aí está o conteúdo de forma mais racional e implicada, mantém, negativamente, uma distinção. Num segundo sentido, em que a distinção some, é totalidade racional, que significa uma unificação entre a multiplicidade que, por si só, é exterioridade, com o pensamento.
A distinção não é senão algo de estático e mais fácil, como o é na realidade contabilizável e múltipla. Entre o homem e a coisa opera a distinção, aquilo que não é possível entre os homens, porque esses, diante da ideia universal, não se diferem. Isso faz parte, assim, enquanto dinâmica da universalidade da ideia genérica que representa apenas uma maturação; diante do mundo múltiplo, serve como pensamento.
Quando entre, então, os homens opera-se determinada distinção, está-se diante de um terreno que se pode chamar de determinação das condições, que tornam a sociedade civil, por exemplo, uma limitação real à universalidade, cuja dialética não chega senão numa aproximação da unidade, jamais nela mesma. Assim, a sociedade civil é um dos exemplos mais visíveis de que somente exteriormente há conciliação entre as determinações sociais e humanas.
Como se está falando da Ontologia, então há a referência direta à multiplicidade, cuja expressão mais hodierna é a sociedade civil, e nesse sentido a própria condição do ser se torna essa imersão no múltiplo, na particularidade carente de reflexão. A ontologia, cuja gênese moderna a colocou em relação ao ser e a sua representação aumentada, que é o ente, não poderá, então, resistir a essa representação, porque ela acaba por manifestar (ou expor) uma determinada essência da contemporaneidade.
Sob este novo signo, à Ontologia se põe o problema de unificar o ente. Todavia, tamanha tarefa não se refere à sua integração na ideia, que é o ser, mas a sua libertação e fundação no próprio ente que é o único que, no fundo, tem uma realidade de sentido. Então, a unidade não diz mais respeito à universalização do ente no ser, mas a particularização racional do ente.
Assim, a reflexividade, como um retorno dialético, não tem mais a necessidade de retornar à ideia, porque esta, mesmo com conteúdo, não é senão abstração, ou seja, uma forma de negar o ente. A reflexão à qual atinge o ente é o retorno à particularidade, que funda a existência real do ente. A Ontologia como se conhece vê o ente a partir de sua existência no ser, que é a universalidade. Porém, essa universalidade é uma exterioridade que com o ente não se relaciona, porque a relação só possível entre os entes. Então, o terreno em que essa relação entre entes se dá é a particularidade, que, como exemplo, é a sociedade civil. Todavia, a unidade dessa convergência particular é o Estado, que não é uma universalidade abstrata, mas uma representação única e que justifica a particularidade. Nesse sentido, a Ontologia se liga à política e à sociedade, passando a dizer respeito à possibilidade real do ente, não como um comportamento psicológico ou uma fusão ôntica disforme, mas como uma unidade que se estabelece por meio da lei.
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