terça-feira, 12 de agosto de 2014

Juiz, o Deus nosso de cada dia [crônica]

Só Deus e os juízes podem julgar e, talvez, a legitimidade de ambos esteja estribada na fé; quer dizer, a crença na justeza do veredicto é um ato de confiança cega, sem maiores evidências. Essa ideia se dá na esteira das críticas mais vertentes acerca da forma como os juízes – e não Deus – julgam os processos nossos de cada dia. O que e o como Deus decide, ainda que desconheçamos, é indigno de pergunta, porque é um trato menos propenso à crítica e mais ligado à ideia de à cada um de acordo com a sua virtude. A sentença, todavia, dá mais vazão àquelas insurgências venenosas acerca – inclusive – da sanidade intelectual dos magistrados.
Julgar, contudo, é uma função complexa. Mas o julgar como trabalho, como profissão e, mais do que isso, como dever, é quase uma peregrinação em fases: contemplação (a análise do pedido), reflexão (pensar a partir das fontes do direito) e ação (sentenciar). Mesmo assim, a capacidade de julgar está – interna e externamente – na mais alta conta, como fruto de uma autoconfiança quase messiânica que se ganha com a aprovação no concurso de provas e títulos. Aí está a revelação, a própria consubstanciação do mero humano – o concurseiro – em Deus. O verbo se torna carne e passa a habitar não exatamente entre nós. O sagrado é mistério e o juiz não é um ser social.
Então, legitimidade como ato de fé? Isso porque aquela justeza e a adequação do decisium é uma coisa óbvia. Deus não erra jamais. Crer que a sentença é otimizante, ou seja, feita da melhor forma possível, é exatamente uma crença, um dogma. Crer é crer. Isso de recurso, de insurgência de segundo grau é heresia; cada agravo é um pecado. De tal tautologia são nascidas as certezas que emanam da sentença; o advogado é, além de iconoclasta, um insatisfeito por nascença, raça excêntrica, mas não sagrada. Ele é, afora isso - à medida que agrava, apela, embarga - um pagão, não ciente da condição imperativa e divina do que é decidido.
Onde já se viu equiparação, igualdade, entre esses dois seres? Melhor: o ser é juiz e o advogado é ente, que se inspira platonicamente naquele arquétipo de direito. As mamães rezam: que meu filho advogado suba mais na vida e seja juiz. Qual é o advogado que não deseja ser juiz? Ninguém que pode ser Deus vai desejar ser um sacerdote de pouco escalão. Aliás, nesse contexto todo, é mesmo um desperdício haver um mês todo dedicado a esses lacaios. Parabéns, mas saibam que Deus deve ser amado sobre todas as coisas.

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