Ontem me pediste: poeta, poeta, tu existe de fato?
Teu cheiro madeiroso é teu mesmo?
E são tuas essas mechas que cintilam ao vento?
Se são minhas ou se são suas...
Não respondo a vocês, ó crianças de imaginação.
Meu segredo vos desagrada,
E minha língua é traiçoeira
Acaso é minha ou de quem provém?
E insistem agora mais forte
E já não são mais meras crianças, são anciões:
Ora poeta, confesse sua angústia e medo,
Diga que já não existe mais...
E daí ouvi um demônio que me sussurrou:
Vamos, vamos, diga a eles o que querem ouvir,
Diga que a morte é para eles,
Eles que não entendem de nada.
E a criança sai detrás do velho,
Com os olhos do curioso fumegando:
Poeta, poeta, tu existe de fato?
Teu cheiro madeiroso é teu mesmo? E as mechas?
E por um instante apalpei minha carne,
Sim, ó criança de imaginação, sim eu sou de fato!
Minha carne ainda dói,
Meu cheiro ainda exala.
Ora, ora - disse-me rápida:
Acaso é isso que tens como 'sou de fato'?
Acaso pensas ser de verdade essa tua carne?
Pobre poeta, e já é ele quem não sabe de nada..
Verdade? , poeta, verdade que és isso que apalpas?
E se for, já te deixo em paz,
Não, não me encontro em tua carne,
Já que sou alma pura e não te conheço.
Criança, criança, só isso é que és,
És de pouco saber, e pouco tens vivido.
Não sabes, acaso, que também tu és de carne?
Que também tu morre e se perde?
Criança, fantasia te chamo agora,
Para onde vais com tua imaginação?
Com quem dividirá teu não-ser?
Ainda és criança de pouca carne e alma inocente.
À deriva, poeta,
Com minha imaginação atracarei em teu vacilo.
Afinal, poeta, nem de tuas mechas sabes bem...
E também tua incerteza te levas a navegar.
E acaso tens, pelo menos, um barco, tu e tua carne?
Minha alma é leve e não afunda.
Tua carne te pesa, põe-te sufocado.
Tens acaso um barco, poeta?
Acalme-se, inocência.
Acaso pensas que não sei de tuas lágrimas?
Tenho presente o gotejo de teu choro.
Triste assim também, e mais por não ter um rosto pra rolar...
Acalente-se, ó inocência.
E também desta já duvido e de tua intenção.
Vejo já que preferes correr ao invés de dizer:
'poeta, poeta, teu cheiro madeiroso é teu mesmo?'
E essa tua pressa é desvaire,
E tua certeza um fugir de si mesmo,
Pobre poeta, já não tem mais a quem socorrer,
Seus anjos não o querem com odores e madeixas...
E um som oco também eu agora,
Acaso são teus, ó poeta, esses soluços ruidosos?
É tua essa mancha quente que tens sob os pés?
Molhaste-te com tua própria angústia, ó ser que chora!
Risos, é somente o que escuto, filha...
Se ouves algo, é tua própria dor de dentro,
Risos de uma carne acometida em ser,
Harmonia por saber que sofro dor e não sou tormento.
E sinto também: propões-te à dança...
Teus passos espirituais te elevam, criança curiosa,
Por ventura queres tu a lira, aquela doce lira?
Ou ainda te és melhor o soneto?
Sonetos ou liras?
Prefiro aquilo que eu mesmo faço...
Afinal, sou alma pura e gracejo,
Prefiro o soneto, poeta, o soneto...
E já vejo que escolho bem,
Não é também este teu melhor gosto?
Não é esta tua melhor disposição?
Te vejo, confesso, ainda poeta, poeta...
Afinal vencidos, você e eu, criança de imaginação....
Por um só gosto de poeta, malabare do gracejo..
Acaso não é tua alma que habita esta carne?
Acaso não é o teu choro que minha carne sente?
Acaso sentes que já posso ir contigo, ó poeta?
Que a minha vitória cante a tua subida...
Sonetos e também liras enfeitem tua carne animada,
E que seja um choro que corre por vias próprias
E vejo, assim, que tens um cheiro madeiroso,
E que também aquilo que flameja são teus cachos,
Ó poeta, acaso ainda vives?
E me convenço serem teus o aroma e a madeixa.
E agora podemos, enfim, morrer,
Você, criança de imaginação, morre por minha carne,
Ao revés, morro pelo gracejo de teu espírito.
E os dois vivemos no que chamaremos de amor...
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