segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O farsante mor (1)

Vivia um tanto afastado da civilização. Na verdade, trata-se de uma civilização tão adequada que poucos de nós já sonhamos viver. Um vilarejo simples. Com, no máximo, uma dúzia de famílias. Todos moravam a, no mínimo, um quilômetro distante dos demais. Mas viviam mais próximos do que nós, amontoados e solitários. Todos, à exceção dele, eram simplórios e ignorantes. Grande parte era ainda analfabeta. Contudo, a falta de estudos formais nunca empecilhou de forma absoluta a vida simples que seguiam vivendo.
Logo que chegou, cerca de dez anos atrás, não deu informações detalhadas acerca de sua vida. Eles, acolhendo-o, sequer insistiram. Pediram o seu nome e só. Era o bastante. Nos primeiros meses, uma senhora mandava uma compota; outra, uma torta de amora com cobertura crocante. No outro, uma pernil de javali, daqueles criados no quintal. Com o passar dos anos, as coisas não mudaram. Sempre que se fazia, no forno de barro, uma porção de pães, um lhe era destinado. Na verdade, ele era sempre lembrado primeiro. Porque era só, porque não tinha mulher, porque não tivera filhos. Raramente era chamado para ter, mais intimamente, uma refeição com eles. Sabiam, desde cedo, que ele não gostava dessas coisas. Também não iam até a cabana para tomar horas de conversas. Com uma cesta nas mãos, chegaram até a varanda, ficavam minutos parcos a conversarem. Entregaram tudo e se iam, sem pretensão de serem convidados a entrar. Não eram muitos os que já haviam entrado na cabana. Um, quando o fez, narrou modestamente à esposa: "tem uns livros de um lado, outros velhos de outro, umas outras coisas que não conheço e só". A mulher não fez mais perguntas. "Hum", disse.
[continua]

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