quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
Resumo: O existencialismo é um humanismo, Sartre
SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. Trad. Rita Correa Guedes.
Em O existencialismo é um humanismo, escrito em 1970, Jean Paul Sartre, filósofo francês, trata de defender a teoria existencialista de algumas críticas: a) o imobilismo e quietismo gerado pela percepção de um homem responsável pela autoconstrução no mundo – posturas passivas e angústia– e b) a condição secundária dada ao indivíduo humano pela análise feita pelo existencialismo de Sartre – o lado não virtuoso da cultura. Há outras respostas a críticas paralelas.
Respondendo às críticas, Sartre remonta muitos dos conceitos afetos ao existencialismo, sobretudo, nesse ponto, a ideia de humanismo que, ao fim e ao cabo, pretende ligar à de existencialismo. Todo o texto visa, ao rebater as críticas tecidas, conciliar o pensamento existencialista à ideia de teoria que parte das capacidades humanas para formar o sentido da sociedade e do indivíduo.
***
O texto trata de esclarecer: não há como alocar o pensamento existencialista fora da narrativa humanista, já que o processo de o homem construir-se por seus atos – a ação aqui e agora – exige um sujeito que reconhece a racionalidade como pressuposto da diferenciação. Afora isso, o quietismo também é uma crítica equívoca ao ver de Sartre, já que o reconhecimento da humanidade radical do homem – a dependência da vida do agir humano e não mítico ou divino – faz com que aja. Além disso, os atos humanos é que definem esse sujeito, pelo que a aquietação não pode ser depreendida nesse processo.
Sartre segue, ainda, por considerar a repercussão da doutrina existencialista em meio ao sendo comum. É, ao seu ver, justamente a superficialidade na compreensão (pré-compreensivo como suficiência) das implicações do existencialismo que fazem com que tal conceito seja oposto e interpretado como negação da importância que a modernidade conferiu ao homem.
O texto deixa claro que Sartre é um existencialista ateu (doutrina ateia coerente, como Sartre denomina). Informa claramente o axioma do humanismo ateu: a existência é anterior à essência. Quer dizer, o homem, antes de encontrar e definir sua essência, precisa viver e agir no mundo. É a ação de cada dia que vai outorgar sentido e características ao ser homem, de modo que não há nada pré-definido quando este nasce. Dai a essência – construída aos poucos – ser posterior a existência.
Esse é um ponto importante e esclarecido pelo escrito: o que significa o “a existência precede a essência”? Para Sartre, essa ideia não significa a retirada de deus de um lugar longamente ocupado. O existencialismo não destrona deus e o substitui pelo homem. A importância átona do existencialismo é dizer que o homem se faz por ações, ou seja, a cada dia um pouco. Não há essência humana originária. Ela é, isso sim, construída pelo fazer-se cotidiano. A definição (de sua essência) não está aí quando do nascimento do homem, diz Sartre. Ele existe – como ser biológico – e passa a vida tentando definir uma essência para si. É isso o que diz o existencialismo ateu.
Por seu turno, a consciência que o homem existencialista passa a ter não o torna supremo ou livre de dúvidas. Jamais estará seguro para agir de determinada forma, ainda que já tenha agido dessa ou daquela maneira vários outras vezes no passado. Ao usar o exemplo do aluno que pede conselhos para fins de se decidir – ir à guerra ou ficar com a mãe – Sartre deixa claro: não existe resposta senão aquela que o homem encontra consigo mesmo e sua experiências. Não há como prever o que será melhor. Dai – dessa incerteza e dúvida radical – nasce o conceito de angústia, também criticado. Esse quadro de angústia é afunilado pela necessidade de se tomar partido, ou seja, de exercer um voto, tomar uma decisão.
Quando o texto refere a liberdade como obrigação de agir – mesmo o não fazer nada é uma ação e, portanto, uma manifestação da liberdade – cria-se o ambiente da dúvida que atinge a todos os seres humanos. Além disso, quando o homem se decide por algo, mesmo que pensando estar criando um diâmetro de afetação definido e particular, está se decidindo por toda a coletividade. A angústia e sensação de desamparo, diz Sartre, nascem também dessa constatação. Qualquer que seja a escolha do sujeito, sempre terá implicações não totalmente previsíveis. Isso gera, ainda mais, a angústia. Todavia, não se trata de um incentivo ao quietismo.
Sartre deixa claro que, ao invés de pessimismo, o existencialismo pode ser visto como otimista: o homem é o único responsável pela definição de uma essência humana; ou seja, a doutrina confere status àquele, visando-o de modo demasiado otimista. Coloca, além disso, em suas mãos a responsabilidade pelo desenvolvimento ou o fracasso da humanidade.
Outra crítica combatida pelo texto é a de que o existencialismo conduz ao subjetivismo individual. Ou seja, colocar o eu subjetivo como o grande responsável pela sua condição de vivência. Disso decorreria, assim, o esquecimento de que a essência humana também é formada de maneira coletiva. Contudo, Sartre diz que: como toda escolha individual é também uma escolha pela coletividade, não há subjetivismo. A implicação da ação de A é sempre mais abrangente do que o círculo de vivência de A. Ademais, não é a própria angústia originada por esta reponsabilidade?
Sartre argumenta que o existencialismo conduz a um reconhecimento de dignidade ao homem, já que o põe como único responsável pela definição de sua essência. Torna-o, assim, sujeito, o que não ocorre com doutrinas como a materialista. Sendo o homem o definidor de sua essência, toda construção de uma possível essência é trabalho unicamente seu. Sartre rebate, assim, a crítica de que o homem perde a sua magnitude no existencialismo, que o torna desamparado.
Retoma, ainda, o aspecto moral, sobretudo mediante a análise da possibilidade de um agir a priori. Conclui: não é possível definir de forma a priori o “o que fazer?” Cada decisão a ser tomada exige uma análise peculiar. Retoma o exemplo do aluno que lhe veio pedir conselhos. Todavia, não afasta a possibilidade de poderem ser formados juízos acerca de determinadas decisões alheias: tais decisões, diz Sartre, podem ser tomadas com base em erros. Sobre esse aspecto, ainda que cada decisão seja ímpar, é possível identificar aquelas que se fundam no errôneo e, portanto, são passíveis de juízos externos.
Defende-se Sartre de outra crítica: a menção a valores criados e, portanto, absurdamente aleatórios. Nesse ponto, faz uma diferenciação entre as ideias existentes acerca da palavra humanismo. Retoma lições feitas em A Náusea. Como humanismo, define a teoria que toma o homem como sujeito construtor de sua essência. Disso não resulta, diz Sartre, nenhum pessimismo ou quietismo, ou mesmo um lançar do homem no desespero. Contudo, se os valores não provêm de deus, devem ser criados. Se assim é, então segue reforçado o existencialismo no aspecto moral. Contudo, os valores não são discricionariamente criados, já que partem da ideia de que a coletividade também é objeto de reflexão do agir individual.
Por fim, esclarece Sartre que a existência de deus não é a preocupação central do existencialismo, mas sim o homem e como torna-lo sujeito de maior dignidade. Ele não quer demonstrar que deus não existe. Quer, isso sim, esclarecer que a essência é o homem que a constrói, e não está determinada e pronta antes que exista. Daí ser o existencialismo um humanismo: tem como objeto o homem e não a negação substancial de deus.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário