quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Tens ideia?

- Tens ideia de quem é sua patroa, mulher?
- Tenho não- respondeu.
A repórter retesou-se. Apalpou os óculos. Assentou-se melhor. Decerto pensou consigo "que mulher mais burra".
- Ela é escritora.
- Escreve, isso. As veiz se aboleta naquela mesola ali- indicou.
- Às vezes!
- É, só as veiz, que ela trabaia tamém.
A mulher distraiu-se da repórter. Foi ter com a roupa suja. A jornalista seguiu-a.
- É importante saber sobre ela, a senhora entende?
- Isso, entendo.
A repórter sentou no tanquinho de louça branca, enquanto a mulher triava as roupas pela cor.
- Ela é uma famosa escritora, a senhora tem noção disso? Porque é por isso que a senhora tem de me contar as coisas.
- Ela é velha já, moça. Dá conta de escrever mais não. Caducô, isclusive.
- Mas não faça essa crítica, deixe aos técnicos...que coisa! Ela ainda escreve e trabalha, você mesmo disse.
- Disse e redigo, mas é velha.
A repórter espiou pela janela do andar alto. Alguns carros lá embaixo e, um deles, sendo rebocado. Apenas ergueu as sobrancelhas.
- A velha credita em Deus não, moça. Você ainda vai escrevê sobre?
- Como sabes disso?
- Coisa de ela ter me contado, ué. Daquela mesola ali, ó.
A jornalista mirou a mesa de canto, vazia e rigorosamente organizada. Refletiu consigo sobre coisas que nós não sabemos. Conciliou-se.
- Vou-me então.
- E não vais escrevê sobre a dona?
- Eu? Dá não, senhora, sou uma jornalista e crente em nosso senhor. Nossa literatura é pura não. É escolhidinha, não intelectual.
- Vá-se então...
- O que a senhora acha sobre o Padre Cícero?
- Conheço esse não.
- Tá...obrigado...tchau...

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