sábado, 27 de outubro de 2012

O OSSO DE MIM.

Antes, depois da tarde, rangeu-me o fêmur.
Agora escrevo ao contrário, como um dia poderei explicar.
Apóio-me sobre a Lara de Lemos e o Josué Guimarães.
Estão embaixo desta minha escrita ao contrário: primeiro a Lara, depois o Guimarães.

Comigo estão o fêmur e alguns sonhos.
Duas partes de mim.
Duas querelas que se sustentam acordadas na madrugada
Destes meus pés gelados. Não frios.

Porque é madrugada eu já não sei.
O frio é coisa dos pés, dos ossos (este aqui, meu fêmur (toco-me)),
daquela parte que poderia melhor dizer sobre o tarde da noite.
Quietas, esperam que meus sonhos o façam.

E não são os sonhos que podem adiar ou decidir esse meu engodo?
sobre a madrugada.
Aos ossos, o frio. O frio e suas causas.
Aos sonhos, a madrugada. A madrugada e suas razões.

E range novamente.
O fêmur,
esquelética parte disso que sou,
deixou claro o termo do dia,
porque se cansou.
Porque o osso, a mão suada de sofreguidão,
a parede verde grudada na minha retina acostumada com o preto,
são uma parte coisa, e a outra também.
Sobra-lhes ainda alguma textura, ora macia, ora grosseira; ora ainda dura indiferença.

Mas e também o fêmur raramente é eu.
O é quando não sou meus sonhos.
E quantas vezes rangeram sem eu perceber um som. Porque era a vez dos sonhos todos.
Porque duas são as realidades: o fêmur e Eu.
E se sou esse dúbio,
essa parte que explica o frio e aquela que não sabe até onde viaja a madrugada,
não é porque assim o deva ser, por deus!
Se resplandeço como que verde e não mais o negro aspecto do olho de mim,
não se deve ao osso, mas ao sonho.

E então se deve ao que não explica a madrugada
e a sua chegada.
É é mesmo melhor que não o seja pelo duro,
pelo maciço arcabouço do cálcio.

Mas o que eu tenho para ver,
dessas madrugadas tirado,
é o que não está pendurado na parede escura;
não é o que está suspenso no meu esqueleto.

É um tudo que não se vê,
como que um existindo sem graça;
acaba com o meu chute enraivado:
por esse não explicar da madrugada.

E quando sou esse sem explicação, noite adentro,
quando diante dos olhos ressoam somente cores, e crespos,
e o duro mármore,
então tomo de um escafandro: para não ser visto.

Sou assim essas duas realidades: o fêmur e o sonho.
Só o fêmur que persiste às minhas coerências.
Porque eu e o sonho somos subtraídos pela madrugada.
E não se pode dizer que estejamos sempre apostos.

Pelo acaso, ainda que deus haja mirado
(e ainda esteja e assim continue) o deitar dessa minha cabeça caduca,
meu fêmur um dia se aquietará;
não depois de mim. Tampouco antes.

Porque quando meu osso morrer,
para onde estarão os sonhos meus?
Então, se meus sonhos todos afogarem-se antes que cesse o barulho de meus ossos,
O que terei sido: osso ou sonho?

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