quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Fragmento

Não estou no pouco que resta de mim. Estou fora de minha alma patológica. Luzia é a única culpada. Ora, deve ter sido a mentora do caso. Deve a ter persuadido fugir. De mim, de minha existência rouca. Desço àquela cozinha de cheiro bom, que não da despensa, que fede tal como as ninfetas da praça. Trêmula, Luzia me nota, me observa chegar. Mesmo vacilantes, suas mãos continuam a picar legumes. A faca é fina, de um gume afiadíssimo. Não lhe falo, não lhe interrogo; já está posto o meu julgamento e dada a minha sentença. Enquanto me aproximo, Luzia se afasta com um medo evidente; deixa os legumes, deixa a faca e aloja-se no canto entre o armário e a cristaleira. E diz alguma coisa. Não sei o que é. Não lembro de suas palavras vagas. De seus gestos obsoletos. Com a lâmina fina à mão, fecho meus olhos e desfiro-lhe uma soma de golpes. Não a olho mais. Largo tudo ali mesmo e vou para a sala sentar-me junto aos ópios. Eu, esses conhaques e um vago temor.

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